Volta a debater-se a regulamentação dos casinos na internet – até pelo seu possível contributo para o equilíbrio das finanças nacionais.

 

Richie é um estudante universitário que faz apostas na internet para financiar as propinas que paga na prestigiada universidade norte-americana de Princeton. Interpretado por Justin Timberlake, no filme Jogo de Risco, nas salas de cinema nacionais desde 3 de outubro, este personagem está a fazer furor no mundo inteiro. Tal como Richie, Paulo Rebelo também estudava – gestão, na Faculdade de Economia do Porto – quando começou a apostar. Deixou o curso e tornou-se jogador profissional. Agora, aos 31 anos, é a fazer apostas desportivas que ganha a vida: chegou a arrecadar, numa só semana, perto de 60 mil euros. O seu segundo livro (Manual das Apostas Desportivas, Ed. Marcador, 248 pág. €13.50€), há poucas semanas nos escaparates, já vai na segunda edição. «Nunca acabei o curso porque o exame da única disciplina que me falta calhava sempre no dia de uma final de futebol europeia… e eu estava com a cabeça no jogo», explica. O jogo online tornou-se habitual no circuito universitário, confirma Paulo Rebelo, não estranhando anúncios como o de uma associação de estudantes que começa por perguntar «Queres ganhar um iPad Mini? Então isto é para ti!», remetendo, depois, para um aliga de poker online, que dura boa parte do ano lectivo, numa faculdade do Porto.

Mas não há campeonato como o mundial para dar nas vistas – e ao fim de 12 edições, temos um campeão nacional: José Passos, 30 anos, a jogar há seis anos, ganhou o mais receite torneio e trouxe o primeiro troféu para Portugal, além de um prémio de 15 300 euros. «Para mim, isto é apenas recreativo», garante Mikexace, a alcunha por que é conhecido.

São só três exemplos de como, de repente, o jogo online parece estar em todo o lado – e os responsáveis políticos também saberão disso. A mais recente jogada é do Governo português: entre outras medidas, e sem grandes detalhes, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, anunciou, esta semana, que, em 2014, será atribuída a concessão do jogo online. Mas esta é uma ideia que tem feito parte do cardápio de processas de todos os governos, desde há dez anos. Um relatório encomendado por Vítor Gaspar ficou na gaveta, em abril, depois de se ter concluído que a receita fiscal «não era relevante» – entre 25 e 40 milhões de euros por ano. Para já, existe somente uma resolução do Parlamento Europeu que, em meados de Setembro, recomendou a regulamentação nacional dos jogos na internet, depois de um apelo do Comité dos Mercados Internos e Proteção do Consumidor, feito nesse sentido. Mas a Comissão Europeia preferia constituir uma plataforma comum de leis de jogo online no espaço europeu e ainda não desistiu – foi agendada mais uma reunião dos Estados-membros para dezembro.

 

Mitos e factos

O jogo na internet tem crescido cerca de 15% por ano, na EU, e estima-se que, até 2015, vai gerar receitas anuais de 13 mil milhões de euros. Para já, só a França avançou com a regulamentação: «O desporto pode ser um bem público, mas as apostas não», explicou Jean-François Vilotte, presidente da Autoridade Reguladora do Jogo Online, em França, a propósito do sistema francês por muitos considerado modelo a seguir.

É um assunto que a Santa Casa da Misericórdia tem feito questão de não deixar passar em branco desde que, há três anos, apresentou queixa contra o patrocínio da Bwin à Taça da Liga, o que obrigou a casa de apostas internacional a retirar o apoio. Sem comentários oficiais acerca da forma que assumirá a regulamentação deste sector, a instituição admite apenas que a resolução do Parlamento Europeu foi recebida com satisfação.

O jogo e a dependência que provoca estão também debaixo dos olhos dos responsáveis pela área da Saúde, tendo sido incluído nas novas funções do antigo Instituto da Droga e da Toxicodependência, actual SICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências. O plano estratégico da instituição esteve em debate público até 30 de Setembro, e um novo plano de acção deverá avançar até ao fim do ano. Pedro Hubert, psocólogo especializado em adição ao jogo e outras dependências sem substância, vai agora colaborar com os serviços públicos de Saúde, através da formação de técnicos.

Nesse cenário, Luís Rebordão Neves que foi croupier num casino e hoje é mentor do projeto Jogo Responsável, gostaria, sobretudo, que se desfizessem mitos. Por exemplo: «O jogo é uma forma fácil de fazer dinheiro.» A verdade, diz, é que «é uma forma de entretenimento que tem de se pagar». Compreendem-se as suas preocupações: não faltam páginas na net a desafiarem-nos a jogar e, em tempos de crise, a ideia de ganhar dinheiro de forma rápida é mais tentadora. Contudo, convém ter presente que as probabilidades de vencer são diminutas. Tal como sucede com Timberlake, nos ecrãs de cinema, o mais provável é ficar de bolsos vazios. Só a «casa» ganha sempre.

 
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In Revista Visão – edição impressa de 10 de Outubro de 2013.

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